Assédio moral estrutural – conceito e principais implicações

O Ministério da Saúde publicou, recentemente, uma nova norma, a Portaria GM/MS 1.999/2023, que aumenta o número de doenças relacionadas ao trabalho e, entre estas doenças, estão os transtornos mentais, como a Síndrome de Burnout, a ansiedade, a depressão e a tentativa de suicídio. 

Esta nova lista começará a valer a partir do dia 29/12/2023 e, embora não seja este o foco deste conteúdo, esta ampliação fortalece a necessidade de um debate e ampliação do conhecimento acerca das relações interpessoais no trabalho. 

Aqui, trataremos do assédio moral individual e estrutural, suas causas e seus efeitos, porque ele traz sérias consequências para saúde física e psicológica dos trabalhadores, para o meio ambiente laboral e para a saúde financeira, tanto do colaborador, como da empresa e também do Estado. 

O meio ambiente do trabalho adequado e seguro é um direito essencial e fundamental do trabalhador e, uma vez violado, prejudica toda a sociedade, porque pode demandar custeio por parte da saúde pública e previdência social. 

A empresa pode ser compelida a ressarcir os gastos com referido custeio, além de indenizações por assédio e por danos morais. 

O que caracteriza o assédio moral? 

O assédio moral, ou “mobbing”, é representado por toda conduta abusiva, manifesta por palavras, gestos e atitudes ofensivas e repetitivas, com ofensa, física ou psicológica, à dignidade da pessoa humana. 

São exemplos de atos que podem configurar o assédio moral as críticas negativas e constantes ao desempenho do trabalhador, a sobrecarga de atividades, a imposição ao ócio, que provoque uma sensação de inutilidade ou incompetência.  

O assédio moral pode ser caracterizado, ainda, pela ameaça à integridade física ou psíquica, e também pela negligência afeta ao atendimento às necessidades de assistência à saúde, física e/ou mental, além de efetivação ou não de medidas para eliminação de boatos e ofensas ao trabalhador. 

A prova de ocorrência do assédio moral exige cautela.  

Evidentemente, um superior hierárquico pode exigir a realização de um trabalho, de modo que este seja entregue de forma eficiente e em prazo predefinido. Porém, se esta exigência for feita de modo desrespeitoso, prejudicial a um trabalhador, esta conduta pode, sim, configurar assédio moral. 

O mesmo ocorre com relação ao volume de trabalho.  

Há situações em que pode haver trabalho extraordinário. Porém, este trabalho, acrescido, extraordinário, não pode ser direcionado apenas a um trabalhador ou grupo de trabalhadores, com o fim de puni-lo(s) ou desqualificá-lo(s). 

Assim, a forma como a liderança é exercida é um fator muito importante para a qualificação ou não do assédio moral, o que merece a atenção do empregador, que é representado por esta liderança e, efetivamente, seus atos ou omissões, bem como seus efeitos, certamente, recairão sobre a pessoa jurídica do empregador, de forma positiva ou negativa. 

Tipos de assédio moral 

Há, na doutrina e na jurisprudência, uma classificação acerca do assédio moral. Destacamos:  

1 – Assédio moral vertical descendente – é a forma mais comum de assédio. Envolve a prática de atos por um trabalhador hierarquicamente superior ao empregado assediado, com o estabelecimento de metas exacerbadas ou exposição de situações vexatórias, por exemplo. 

2 – Assédio moral vertical ascendente – este tipo de assédio, embora não seja tão comum, caracteriza-se quanto um colaborador em posição hierárquica inferior assedia o seu superior, sendo exemplo um caso julgado pelo Tribunal Regional da 17ª Região, em que a superior, supervisora de compras em uma empresa de alimentos, era ridicularizada na frente de colegas, pelas subordinadas, que não aceitavam a sua liderança. A empresa foi condenada ao pagamento de R$30 mil reais, a título de indenização (processo RO 0000198-46.2016.5.17.0012). Este tipo de assédio ocorre, também, quando o subordinado tem conhecimento acerca de uma informação sigilosa e a utiliza como vantagem em benefício próprio, como o aumento de salário ou faltas injustificadas ao trabalho. 

3 – Assédio moral horizontal – ocorre entre empregados que ocupam a mesma posição hierárquica dentro da empresa e um exemplo clássico é aquele em que um destes empregados bate a meta e debocha ou desfaz a imagem do outro.

4 – Assédio moral misto – caracteriza-se pela combinação entre duas ou mais das modalidades acima.

Trata-se de classificação meramente ilustrativa, derivada de lições expostas por juristas ou citadas em julgados nacionais. 

A legislação brasileira ainda não trata, de forma específica ou distinta, sobre o assédio moral no trabalho, individual ou coletivo.  

A CLT possui alguns dispositivos que reprimem atos que podem caracterizá-lo. São exemplos a proibição de alteração contratual unilateral ou prejudicial ao empregado (art. 468 e 469, da CLT), a proibição de exigência de serviços superiores às forças do trabalhador, proibidos por lei, contrários aos bons costumes ou alheios ao contrato (art. 483, da CLT), submeter o empregado a perigo de mal manifesto, entre outros. 

As normas coletivas podem estabelecer cláusulas com proibição de prática do assédio moral, bem como previsão de sanções, como multas e tratamentos médicos. 

O que distingue o assédio moral “individual” do assédio moral “estrutural”? 

O “assédio moral estrutural”, também conhecido como “interpessoal”, “organizacional”, entre outras nomenclaturas, é diferente do assédio “individual”, porque, este caso, ele não está relacionado a um empregado, especificamente, mas a uma coletividade de trabalhadores. 

Tem, também, como pressupostos a ação ou omissão do empregador, a existência de danos reais ao trabalhador e uma relação causal entre a ação, ou omissão, e o dano. 

“assédio moral organizacional” caracteriza-se pela conduta abusiva e reiterada do agressor como método de gestão.  

Tem como essência a utilização de práticas abusivas para aumentar a produtividade e/ou reduzir custos, como a cobrança excessiva de metas, o elevado rigor disciplinar, o uso de métodos de gestão por estresse, em um ambiente onde se prega uma cultura generalizada de xingamentos, gritaria, palavras de baixo calão ou com conteúdo racial combativo. 

Há decisões que utilizam o termo “dano moral institucional” para reforçar o efeito desta modalidade de assédio, que recai sobre uma coletividade. 

É possível encontrarmos, ainda, o termo “straining”, usado para caracterizar uma situação de estresse forçado e abuso do poder empregatício, em situações onde o grupo de trabalhadores é vítima, que trabalha sob grave pressão psicológica e sob ameaça de sofrer castigos humilhantes. 

Este tipo de assédio pode estar “mascarado” sob a forma de ações de engajamento, mas na verdade criam ou estimulam um ambiente de trabalho que, além de ser muito competitivo, é pouco ou nada saudável.  

A pessoa jurídica é a autora ou incentivadora da agressão, ou tolera atos de assédio, omitindo-se. 

Em suma, o assédio moral organizacional atinge a vida profissional do empregado e também o meio ambiente do trabalho.  

Não se pode ignorar que as relações de trabalho devem pautar-se na respeitabilidade mútua, atenta ao caráter sinalagmático da contratação, o que impõe aos contratantes a reciprocidade de direitos e obrigações com severo combate ao terror psicológico dentro da empresa, vez que este caracteriza o dano moral “estrutural” quando é manifesto por comunicações verbais ou não verbais, com atitudes ou omissões patronais que afrontam valores éticos, não esperados de um contrato pautado pela boa-fé, e causa constrangimentos e dissabores plenamente evitáveis. 

Nas ações judiciais relativas ao tema, encontramos, nas decisões, o combate à intitulada “gestão por pressão”, que demonstra a existência de abuso do poder diretivo, com ofensa à dignidade do trabalhador e diminuição da sua autoestima, além da depreciação da imagem de uma coletividade de trabalhadores. 

O Tribunal Superior do Trabalho julgou, recentemente, uma ação em que houve comprovação de que as condições de trabalho contribuíram para as doenças de um trabalhador. Este foi acometido de depressão grave e transtornos obsessivos compulsivos (TOC). O empregado demonstrou que ficou afastado por nove meses e, ao retornar, foi substituído por outros 4 (quatro) empregados e ficou sem função, passando a ser ignorado pelo superior, além de receber apelidos, sem qualquer medida adotada pela empresa para conter os abusos.  

Estes fatos levaram o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região a condenar a empresa ao pagamento de indenização de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), a título de danos morais por assédio, o que foi mantido pelo TST, em acórdão publicado em 26/05/2023, por entender tratar-se de valor compatível com a extensão do dano, a conduta e a capacidade financeira da empresa, bem como o nexo causal e o caráter pedagógico da sanção aplicada. (processo AIRR 719-56.2016.5.09.0127). 

Dificuldades e efeitos acerca do assédio moral, individual e estrutural 

O assédio moral pode desestimular o trabalhador, causando-lhe abalo emocional a ponto de fazer com que este perca o interesse pelo trabalho.  

Há situações em que o prazer de trabalhar desaparece completamente, silencia, o que traz consequências para a saúde, como o agravamento de moléstias já existentes ou o surgimento de doenças, como a depressão e a Síndrome de Burnout. 

Esta foi uma das razões para o acréscimo de moléstias no rol de doenças do trabalho, conforme citada Portaria, publicada recentemente, pelo Ministério do Trabalho. 

O afastamento do trabalhador sempre gera consequências para empresa. A empresa tem suas atividades habituais comprometidas, parcial ou totalmente, em setor específico ou não, tendo que deslocar outro colaborador para substituição daquele que se afastou. 

Este deslocamento/substituição pode dar-se internamente ou mediante contratação de um colaborador externo, ainda que de forma temporária, o que não afasta a responsabilidade da empresa pelo pagamento do salário daquele que se ausentou, pelo período de 15 (quinze) dias e, em caso de ampliação deste prazo, o empregado é encaminhado e afastado pelo órgão previdenciário, que assume o custeio e tem a prerrogativa de cobrar o ressarcimento, posteriormente, da empresa empregadora, caso haja confirmação de que a doença tem nexo com o trabalho. 

Estas são apenas breves linhas acerca do cenário que pode ser vislumbrado nesse contexto do assédio moral, e que reforça a importância da discussão e ampliação do conhecimento acerca dos conceitos e seus efeitos. 

Valores e critérios habitualmente adotados pelos tribunais para arbitrar valor da indenização 

Como vimos, o assédio moral ofende direitos fundamentais e personalíssimos dos empregados, individual ou coletivamente, razão pela qual em caso de comprovação de sua ocorrência, surge o direito à indenização, decorrente da responsabilidade civil subjetiva, que tem como pressupostos a conduta comissiva ou omissiva do empregador, a existência de dano real à vítima e a relação de causalidade entre a conduta do ofensor e os danos experimentados. 

Visualizamos, entre as ações judiciais analisadas que há, entre as cortes trabalhistas brasileiras, uma diversidade ampla quanto aos valores das indenizações, embora seja comum o fundamento exposto, onde há informação de que o valor dos danos morais atenta às provas avaliadas, caso a caso, além da proporção ao dano causado à vítima, respeitando-se a vedação ao enriquecimento sem causa em equilíbrio com a necessidade de satisfação do caráter punitivo e pedagógico do causador do ilícito. 

Há condenações em valores de que giram de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) até patamares mais elevados, como R$20 mil, R$ 30 mil, R$ 50 mil, R$ 200 mil reais. 

Importa registrar que a lei da Reforma Trabalhista (lei federal n. 13.467/2017) trouxe para o ordenamento jurídico alguns critérios objetivos para a fixação dos valores das indenizações por dano moral trabalhista, previstos no art. 223-G, da CLT, que classifica as ofensas com base na gravidade do dano causado, podendo ser leve, hipótese em que a indenização será de até três vezes o último salário do ofendido. Pode ainda ser média, com indenização de até cinco vezes o salário da vítima, grave (até 20 vezes) ou gravíssima (até 50 vezes). 

Porém, em junho de 2023, o Supremo Tribunal Federal, ao encerrar o julgamento de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI´s 6.069, 6.050 e 6.082), expressou entendimento no sentido de que é possível haver danos morais acima do teto fixado pela CLT.  

O referido dispositivo não foi julgado inconstitucional.  

Entre os fundamentos expressos pelos ministros do STF, foi ressaltado que, embora o art. 223-G, da CLT, possa orientar o juiz trabalhista, não é possível restringir a indenização a um grupo específico, uma vez que não há, na justiça comum, qualquer previsão legal acerca de tais limites. Foi manifesto o entendimento de que, assim, seriam preservadas a dignidade humana e a isonomia.  

Desse modo, é possível haver condenações em patamares acima daquele previsto na CLT. 

Que medidas podem ser adotadas pela empresa para minimizar ou eliminar o risco de assédio moral, individual e/ou estrutural? 

O assédio moral, no trabalho, demanda conscientização de todos os funcionários, de todas as escalas, ocupantes ou não de cargos de liderança. 

Embora a prova seja considerada relativamente difícil, o crescente acesso e uso dos meios tecnológicos têm contribuído para sua existência, comprometendo o assediador e, por via direta ou reflexa, toda a organização a arcar com os danos causados às vítimas de assédio moral, individual ou estrutural. 

A ampliação dos canais de comunicação internos, a efetivação de treinamentos e capacitações, que abarquem o tema e promovam a entrega de cartilhas, mediante recibos, a todos os colaboradores, são exemplos de medidas simples, que podem ser adotadas pelas empresas e que contribuem, também em ações judicias, como prova da adoção de medidas preventivas e combativas, com recuo a eventuais alegações de conivência ou propagação de uma gestão por estresse ou danosa, por parte da organização, a quem cumpre investiga-las e combatê-las. 

A adoção de programas de compliance, com códigos de conduta e mudança da cultura organizacional, com foco na gestão mais humanizada, inclusiva e ética, também incentiva o combate e fortalece os meios de prova em favor do empregador, em eventual demanda. 

Em recente julgado, promovido pelo Tribunal Regional da Terceira Região, houve aumento do valor da indenização, a título de reparação por assédio moral no trabalho, e um dos fundamentos para este aumento reside no fato de que a empresa não demonstrou, nos autos, quaisquer diretrizes ou acompanhamento de casos de assédio moral e, ao afirmar que os ambientes de reunião virtuais não são gravados, no entendimento da Corte, a empresa favoreceu a proliferação de atitudes de assédio, por parte dos superiores com relação aos subordinados.  

O valor imposto pelo juízo de origem era de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) e o tribunal aumentou para R$200.000,00 (duzentos mil reais) (processo n. 0010971-97.2022.5.03.0023). 

Observamos, assim, que é importante atentar aos limites do poder diretivo do empregador, desenhando-o e remodelando-o, habitualmente, de modo que o contrato de trabalho seja adequado, permanentemente, para assegurar às partes uma troca saudável, com foco em um ambiente sadio, incentivador e que promova o crescimento e satisfação da equipe, e não o contrário. 

Estas e outras medidas certamente renderão frutos positivos para a própria saúde financeira da empresa. 

Para entender melhor o assunto, entre em contato com nossos especialistas.

Paulo Teodoro – Advogados Associados

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