Podemos considerar, em breves linhas, que o compliance é um conjunto de procedimentos cujo objetivo é cumprir as normas vigentes, em seu sentido mais amplo, ou seja, leis federais, estaduais e municipais, além de decretos, regulamentos, e outras, visando evitar violações e proteger as organizações de multas e ações judiciais.
É importante destacar que o compliance não envolve apenas o combate à corrupção na esfera pública, mas todo o ordenamento jurídico envolvido em uma organização, incluindo os entes privados, que visam lucros, como empresas, e também as entidades sem fins lucrativos, como os sindicatos, com objetivo de que operem legalmente, o que traz inúmeros benefícios, protegendo-os.
Um compliance eficaz pode melhorar a comunicação entre a liderança e funcionários, e tornar mais segura a abordagem e o relacionamento com o público externo, inclusive no tocante aos sindicatos.
E o que são os sindicatos, conforme legislação brasileira?
Os sindicatos, do ponto de vista da legislação brasileira, são organizações reconhecidas pelo Estado e destinadas à representação dos interesses dos trabalhadores (sindicatos laborais) ou dos empregadores (sindicatos patronais).
Têm importante papel no fortalecimento do diálogo social.
Podemos extrair do art. 8º, da Constituição da República, de 1988, as principais características dos sindicatos, sendo que a liberdade de associação profissional ou sindical é prevista no caput de citado dispositivo. Merecem destaque algumas das características previstas nos incisos de citado artigo:
— Vedação à exigência de autorização do Estado para sua fundação;
— Proibição de interferência e intervenção do Poder Público na organização sindical;
— Vedação de criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que não podendo ser inferior à área de um Município (unicidade sindical);
— é de competência do sindicato a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;
— Ninguém será obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a sindicato;
— A participação dos sindicados nas negociações coletivas de trabalho é obrigatória;
— O aposentado filiado tem direito a votar e a ser votado nas organizações sindicais;
— O empregado sindicalizado não pode ser dispensado, nas situações expostas pelo inciso VIII do art. 8º, da CR/88.
Estas características, extremamente valiosas, permitem concluir, como reforço do conceito expresso acima, que os sindicatos representam uma forma de associação permanente, mas não obrigatória, entre pessoas físicas ou jurídicas, que exerçam função em um mesmo ramo de negócio e que tenham o papel de defender os interesses em comum de seus diversos membros.
Esta representatividade passou, e ainda passa, por inúmeros desafios, razão pela qual vale a pena conhecer um pouco da história dos sindicatos, no Brasil, ainda que em breves linhas. Vejamos:
Breve histórico dos sindicatos no Brasil
No Brasil, os sindicatos surgiram como uma resposta às condições de trabalho precárias e às condições de exploração dos trabalhadores nas fábricas existentes no século XIX, quando houve o processo de industrialização no País.
Inicialmente, os sindicatos eram formados principalmente pelos trabalhadores urbanos, como operários das fábricas e ferroviários, que começaram a se organizar em busca de melhores condições de trabalho e melhores salários.
Muitos foram os desafios enfrentados, ao longo da história.
Na Era Vargas (1930 – 1945), o governo adotou uma postura intervencionista em relação aos sindicatos. Criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e estabeleceu uma estrutura sindical corporativista e verticalizada, com limitação à autonomia dos sindicatos, que acabaram ficando sob o forte controle estatal.
No processo de redemocratização, o movimento sindical foi fortalecido. No ano de 2017, com o advento da reforma trabalhista, o financiamento sindical por meio de contribuições obrigatórias deixou de existir. Proliferação de sindicatos que não tinham representatividade, ou seja, sobreviviam apenas do imposto sindical, eram cabides de emprego, sem buscar perante os trabalhadores o seu “reconhecimento” como entidade na defesa de direitos, tiveram suas atividades encerradas.
As negociações coletivas foram fortalecidas, ao reconhecer a validade dos instrumentos coletivos de trabalho e a permitir que os entes sociais pudessem adequar a legislação a realidade setorial vivenciada pelas partes da relação capital versos trabalho.
A pandemia do novo coronavírus afetou sensivelmente as entidades sindicais, vez que reduziu o seu contato com os trabalhadores, permitindo temporariamente que os atores sociais tivessem sua atuação mitigada diante da validade dos acordos individuais, pois promoveu drásticas mudanças nas condições de trabalho, com redução de jornada, suspensões temporárias de contrato e demissões coletivas.
A preservação dos empregos e a subsistência dos trabalhadores, aliado à necessidade de manutenção e crescimento da força econômica, exige um equilíbrio de forças, interesses e regulamentações adequadas, o que pode encontrar, no compliance, o reforço necessário.
E como o compliance poderia contribuir para o enfrentamento destes e outros desafios?
O compliance, como observamos, representa um conjunto de práticas e medidas adotadas para garantir que as organizações atuem de acordo com leis, regulamentos e padrões éticos, para prevenção de práticas inadequadas, como corrupção, fraudes e violação de leis, inclusive das leis trabalhistas.
Vimos, também, que os sindicatos são essenciais para a efetividade das negociações entre empresas e trabalhadores, com legitimidade para intervir em ações judiciais, além dos papéis de orientação sobre questões trabalhistas, participação na elaboração de leis e normas do trabalho, recebimento de denúncias e defesa da melhoria das condições econômicas das empresas, bem como da saúde e segurança dos trabalhadores, entre outras atribuições de grande valor.
A implementação do compliance, pelos sindicatos, certamente encontra forte papel no fortalecimento da transparência nas ações e decisões destas entidades, além da promoção de valores comportamentais extremamente positivos.
Não há dúvidas de que os sindicatos têm papel essencial na defesa dos interesses da categoria que representa, sendo certo que o estabelecimento de novas práticas de governança e a garantia de uma prestação de contas eficaz e transparente, fortalecem este objetivo e são apenas alguns dos exemplos de atos de promoção de confiança, credibilidade e legitimidade à atuação da diretoria dessas entidades.
Além dos indicados fatores positivos, o compliance também pode fortalecer os sindicatos no tocante ao conhecimento, aprofundamento e cumprimento das leis, regulamentos e normas trabalhistas, para efetiva conformidade e prevenção de violação e possíveis sanções legais.
E, considerando não haver dúvidas de que a negociação coletiva é uma das atribuições principais dos sindicatos, decerto o compliance, além de cuidar da manutenção da transparência e conformidade, pode assegurar maior segurança e senso ético e de equidade na condução da negociação, com ampliação da confiança e credibilidade.
Acrescentamos ao exposto o fato de que a estrutura física dos sindicatos patronais funciona como “ponto de encontro” dos empresários ou representantes das empresas e, muitas vezes, estas são concorrentes, embora também tenham interesses comuns.
A forma como os sindicatos lidam com estes e outros pontos de divergência e convergência é que farão a grande diferença, seja para atrair e manter os filiados, seja para impulsionar os objetivos inseridos nas negociações!
Assim, além da importância da estrutura física dos sindicatos, para o encontro tão necessário para o diálogo e negociações, a gestão e a governança têm papel crucial no fortalecimento das relações entre os empresários, concorrentes ou não.
Uma gestão eficiente e transparente pode criar um ambiente de confiança, na qual os interesses comuns são identificados e confeccionados em benefício de todos.
O equilíbrio e efetiva representatividade são fatores determinantes para a fidelização dos membros e para o alcance dos objetivos coletivos dos envolvidos.
Desse modo, os sindicatos que aderem ao compliance, podem contribuir para a criação de um ambiente colaborativo, podem possibilitar um espaço propício para discussões e compartilhamento de experiências, no qual os empresários podem aprender entre si, e encontrar soluções de capacitação, por meio de workshops, eventos ou outros, que fomentem a interação entre os filiados, com o compromisso de atender à normatização aplicável e também impulsionar o crescimento e desenvolvimento dos negócios, de forma mais segura para os envolvidos.
É valioso registrar, ainda, que o compliance pode ajudar a proteger os direitos dos membros, de modo que haja efetiva liberdade para definição da filiação ou não, bem como da adequação desta filiação, conforme a categoria aplicável, sem práticas coercitivas ou de intimidação, além de possibilitar que as contribuições sindicais sejam utilizadas adequadamente, com benefícios e serviços proporcionais ao investimento feito por seus membros.
Possibilidade de contribuição do compliance também para o combate à formação de cartéis e outras infrações à legislação que rege a livre concorrência
Como relatamos, na estrutura sindical brasileira, prevalece o princípio da unicidade sindical ou “unidade sindical compulsória”, que estabelece a existência de um sindicato representativo de determinada categoria, profissional (representam os empregados) ou econômica (representam as empresas), em determinada base territorial.
Por este motivo, os sindicatos, especialmente aqueles que representam as empresas, tidos como “sindicatos patronais”, representantes da “categoria econômica”, na maioria das vezes, reúne, em sua estrutura física e organizacional, empresas concorrentes, que atuam no mesmo mercado de trabalho e que, portanto, muitas vezes optam por estabelecer direitos trabalhistas mínimos e até mesmo uniformes, para evitar concorrência quanto a salários ou relativo a condições de trabalho, e evitar que trabalhadores de uma empresa migrem para outra, concorrente, em busca de condições melhores.
Além disso, é possível a existência de troca de informações sigilosas, durante as reuniões destinadas a negociações coletivas, por parte de quem representa as empresas, além do risco de brechas para formação de cartéis, já identificados, na prática, e combatidos, pelo CADE — Conselho Administrativo de Defesa Econômica, autarquia que tem como responsabilidade principal promover o combate às práticas anticompetitivas, que possam prejudicar a livre concorrência e o funcionamento adequado do mercado.
Observamos que à medida que os sindicatos se comprometem a mapear os riscos e a criar um programa de compliance efetivo, as empresas associadas e outras interessadas, certamente, passam a se sentir mais seguras para o relacionamento com a entidade, e tendem a aderir melhor às negociações, especialmente com relação àquelas que já têm o compliance inserido em sua cultura organizacional e vislumbram as vantagens da implementação do programa.
Conclusão
Vimos, assim, que a adoção do compliance, pelos sindicatos, implica em uma verdadeira e positiva mudança de cultura.
Empresas que lidam com o compliance tendem a negociar com outras empresas que também já o implementaram e, com relação à associação ou filiação sindical, não é diferente.
E isso ocorre porque este também é um fator de redução de riscos para os envolvidos e seus empregados, vez que imbuídos do objetivo de cumprir as normas inerentes ao negócio e também à relação de trabalho, inclusive porque estão sujeiras a punições e também à queda de produção em um mercado que preza, cada vez mais, por este cuidado.
Os sindicatos, muitas vezes, são vistos como “inimigos” das empresas, e o compliance podem mudar este perfil, colocando-os como parceiros reais, condutores da rotina ética adotada crescentemente, pelas corporações, e capazes de construir uma relação mais saudável, transparente, equilibrada, facilitando as negociações e o alcance dos demais objetivos da entidade.
O compliance é, sem sombra de dúvidas, um diferencial competitivo. Pode reduzir riscos inerentes ao negócio das empresas representadas e estas, à medida e que se tornam mais sólidas e firmes no mercado, também conseguem investir em melhores condições de saúde, segurança e sobrevivência de seus colaboradores.
Embora, aqui, não sejam tratados todos os pontos e riscos inerentes ao compliance sindical, colocamos nossa equipe especializada à disposição para responder aos questionamentos e ampliar o leque de possibilidades e passos necessários à implementação, atualização ou revisão do compliance e normas específicas.
por Jeferson Costa
Sócio e Gerente Trabalhista e Cível
Paulo Teodoro – Advogados Associados