Retomada do Voto de Qualidade do CARF

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), é um tribunal administrativo do Ministério da Fazenda que julga questões envolvendo matéria tributária. É um órgão colegiado composto por representantes da Fazenda e dos contribuintes em condições paritárias (mesma quantidade de membros) o que, por diversas vezes, resulta em empates nas decisões.  

Para evitar esse tipo de situação, até 2020, adotava-se o sistema do “voto de qualidade” ou “voto minerva”, criado pelo Decreto nº 70.235/19721, que consiste, basicamente, em dar aos presidentes das turmas e câmaras (que são sempre os representantes da Fazenda Nacional) o voto de desempate em uma situação de divergência na interpretação da norma tributária. Com isso, obviamente, a tendência era a do desempate ser sempre favorável à União. 

Tanto é verdade que, em relatório público emitido em 11 de junho de 2019 pelo próprio CARF, indicou-se que, entre os casos analisados no período de 2017 a 2019, 7% foram decididos por meio do voto de qualidade, sendo que 71% destes votos foram a favor da Receita, e apenas 29% foram pró-contribuinte2. 

Com o objetivo de alterar o sistema criado pelo Decreto nº 70.236/1972, quase 50 anos depois, foi publicada a Lei nº 13.988/2020 que incluiu o art. 19-E na Lei nº 10.522/20023 estabelecendo a extinção do voto de qualidade e a resolução dos processos nos casos de empate a favor do contribuinte.   

Esse artigo foi questionado nas Ações Diretas de Inconstitucionalidades (ADIs) 6.399, 6.403 e 641, ainda não finalizadas, tendo os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votado, em sua maioria, pela constitucionalidade do dispositivo.  

Contudo, antes mesmo de qualquer decisão, dentro de um pacote de medidas fiscais do Governo Lula, foi publicada a Medida Provisória nº 1.160/2023 (de natureza temporária) que retomou o voto de qualidade no CARF, com fundamento na necessidade de aumento da arrecadação, já que, de acordo com informações levantadas pela equipe do Governo, o fim do voto de qualidade gerou um prejuízo anual de R$ 60 bilhões aos cofres públicos. 

Essa Medida Provisória deu origem ao Projeto de Lei (PL) nº 2.384/2023, que foi posteriormente convertido na Lei nº. 14.689, publicada no dia 30 de agosto de 2023, que tornou definitiva a retomada do voto de qualidade nos julgamentos do CARF.  

O texto aprovado estabeleceu condições diferenciadas para os contribuintes nos casos em que o julgamento for decidido pelo “voto de minerva”.  

A primeira delas diz respeito à exclusão das multas e ao cancelamento de Representação Fiscal para Fins Penais (RFFP) quando o julgamento for decidido por esse critério de desempate4. Além disso, a Lei nº. 14.869/2023 previu a exclusão dos juros de mora e da multa de ofício, desde que haja a efetiva manifestação do contribuinte para pagamento da dívida no prazo de 90 dias.  

Esse pagamento pode também ser realizado em até 12 parcelas mensais e sucessivas, corrigidas pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC5, abrangendo o montante principal do crédito tributário.  

A nova legislação, admitiu, inclusive, para o pagamento da dívida, a utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de titularidade do sujeito passivo, de pessoa jurídica controladora ou controlada, de forma direta ou indireta, ou de sociedades controladas direta ou indiretamente por uma mesma pessoa jurídica, apurados e declarados à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB), independentemente do ramo de atividade.   

A utilização desse prejuízo fiscal e da base cálculo negativa, contudo, somente se aplica à parcela controvertida, resolvida pelo “voto de qualidade” e será determinada mediante (i) a aplicação das alíquotas do IRPJ sobre o montante do prejuízo fiscal6; e (ii) a aplicação das alíquotas da CSLL sobre o montante da base de cálculo negativa da contribuição7.  

Além da utilização do prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa, a Lei nº. 14.689/2023 dispôs que o pagamento compreende o uso de precatórios para amortização ou liquidação do remanescente.   

Na hipótese de o contribuinte ter manifestado a intenção pelo pagamento do débito com os benefícios acima, mas não o efetivar no prazo de 90 dias ou incorrer em inadimplência em uma das doze parcelas, os juros de mora que haviam sido excluídos do acordo, serão retomados. Mas se não houver essa opção pelo pagamento com benefícios, os créditos definitivamente constituídos serão encaminhados para inscrição em dívida ativa da União em até 90 dias, sem a incidência de encargos8 e multas. 

Aqui cabe mencionar que a Lei nº. 14.689/2023 aplica o disposto no art. 2069 do Código Tributário Nacional (CTN), dispondo que os créditos tributários objeto de negociação não serão óbice à emissão de certidão de regularidade fiscal.  

Com relação aos créditos inscritos em dívida ativa da União em discussão judicial que tiverem sido resolvidos favoravelmente à Fazenda Pública pelo “voto de minerva”, a legislação dispôs que poderão ser objeto de proposta de acordo de transação tributária específica, de iniciativa do sujeito passivo. Estabeleceu, ainda, aos contribuintes com capacidade de pagamento10, a Lei dispensa a apresentação de garantia para a discussão judicial – à exceção dos contribuintes que, nos 12 meses anteriores, não tiverem certidão de regularidade fiscal válida por mais de 3 meses, consecutivos ou não, expedida conjuntamente pela RFB e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).  

Por fim, outras alterações foram introduzidas pela nova legislação, dentre as quais podemos citar: (i) a multa qualificada em casos de sonegação, fraude e conluio fica limitada a 100% e, a depender do histórico de conformidade do contribuinte, pode ser reduzido para 1/3 ou deixar de ser aplicada, ficando mantido o percentual de 150% apenas para os casos de reincidência11; (ii) manutenção do limite de 60 salários mínimos para a interposição de recurso voluntário ao CARF12; e (iii) possibilidade de realização de sustentação oral em julgamentos  realizados em primeira instância nas Delegacias Regionais de Julgamento13. 

Paulo Teodoro – Advogados Associados

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